(Sermão pregado na manhã de domingo do dia 02 de agosto de 2020 na Igreja Cristã Presbiteriana Missionária de Ribeirão Pires/SP) 


João 6.1-11 


Chegamos ao capítulo 6 de João e algo que estamos aprendendo ao longo desses domingos é o empenho do apóstolo em promover a glória de Cristo e em exaltá-lo como Filho de Deus. Ele faz isso através dos relatos dos milagres, das curas, dos sinais extraordinários que fogem a compreensão humana, mas que também trazem alívio, esperança e novo sentido para a vida. É como se a todo instante João estivesse interrogando seus leitores: Quem é esse que tem poder para transformar água em vinho? Quem é esse que pode fazer alguém nascer de novo e ter nova vida guiado pelo Espírito de Deus? Quem é esse que tem água viva, da qual aqueles que bebem nunca mais terão sede? Quem é esse capaz de curar qualquer enfermidade, ressuscitar mortos e restaurar a alegria de um paralítico que já estava naquela situação há 38 anos? Quem é esse? Quem tem esse poder? Este é o Filho de Deus, Jesus Cristo! 


Mas, algo que percebemos conforme acompanhamos o que Jesus está fazendo é que, não só as multidões não compreendiam muito bem o significado das obras de Cristo, como também seus discípulos em algumas ocasiões demonstram não entender bem o que Jesus está fazendo e por isso eles agem de forma que não lhes convém. Por exemplo, quando Jesus se encontra com a mulher Samaritana, seus discípulos ficam admirados por verem o Mestre falando com uma mulher daquele lugar com quem eles não tinham proximidade. Mateus também relata que, em certo momento, Jesus estava ensinando e algumas crianças foram repreendidas pelos discípulos para que elas não se aproximassem. Lucas também nos fala sobre o momento quando eles encontraram um homem que expulsava demônios em nome de Jesus e, então, eles tentam impedi-lo, mas, Jesus disse: "Não o proibais!". 


Isso significa que não é só o coração da multidão e dos fariseus que está a prova, mas também os corações dos discípulos de Cristo estão sendo provados. E com a gente não é diferente. Nossos corações estão sendo provados diante das aflições desse mundo e também nos momentos de festa e de alegria. Estamos sendo provados diante de um mundo que está sempre em oposição a vontade de Deus. Estamos sendo provados quando nossas opiniões refletem a forma como enxergamos o mundo, a política, a família, etc. E, a nossa resposta diante desses testes vai estar sempre em consonância com a fonte de onde temos alimentado a nossa fé. C.S.Lewis disse: "Alimente sua fé até que seus medos morram de fome". Quando o medo, a insegurança, a dúvida com relação ao Filho de Deus invadem o coração, é hora de nos alimentarmos dEle. O capítulo 6 de João apresenta dois grupos que estão sendo testados: a multidão e os discípulos. Ele apresenta também a providência divina como resposta a incredulidade dos corações desses dois grupos. 

 
1) O teste da multidão (1-3) 

João diz que, em determinado momento, Jesus decidiu se retirar com seus discípulos para um lugar afastado. Os outros evangelhos colocam esse movimento de Jesus logo após o acontecimento da morte de João Batista. Por isso, a tensão em Jerusalém estava grande. Cristo resolve então afastar-se daquele lugar atravessando o mar da Galileia. Ao chegar do outro lado, porém, a multidão já estava a espera de Jesus. Marcos relata que pessoas de muitas cidades correram para lá e chegaram antes dele, de modo que, quando Cristo desembarca, vê uma grande multidão. Marcos ainda diz que Jesus olhando para a multidão se compadece dela porque eram como ovelhas que não têm pastor. Jesus teve compaixão daquela multidão. 
 
Jesus comoveu-se pela luta daquelas pessoas contra o pecado, pelas suas enfermidades, pelas suas dificuldades diárias e pela escuridão espiritual em que estavam. Mas, acima de tudo, Cristo se compadeceu da multidão por que entre eles estavam aqueles que ainda seriam recolhidos em seu aprisco. Se Cristo se compadeceu com aquela multidão, não devíamos nós também nos compadecermos da multidão dos nossos dias? Se Cristo se compadeceu deles a ponto de dedicar aquele dia para ensinar, curar e trazer alívio para aquelas almas, não devíamos nós nos compadecermos também a ponto de dedicarmos o tempo que o próprio Deus nos deu para esse trabalho? Paulo escreve aos Filipenses 2.5, dizendo: "Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus". 


Quando olhamos a nossa volta, percebemos toda a escuridão social, cultural, política, na educação dos nossos filhos... Escuridão causada pelo pecado que corrompeu todos os homens. Mas Jesus, no capítulo 5 de Mateus, nos convoca para essa missão, dizendo: "Vós sois a luz do mundo... e não se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e ilumina a todos os que se encontram na casa". O professor e pastor reformado Hermam Hanko diz que “devemos ter um desejo profundo de ver homens e mulheres retirados de sua escuridão espiritual para um conhecimento de Cristo. Devemos ser movidos com compaixão pelos outros quais sejam suas necessidades, mas principalmente pela alma eterna deles”.  


Mas, aquela multidão está sendo testada. E isso fica claro com a repreensão que Cristo faz a eles nos versículos 26 e 27: "Em verdade, em verdade vos digo: vós me procurais, não porque vistes sinais, mas porque vos fartastes. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará". Ou seja, a grande multidão foi ao encontro de Jesus não por reconhecer seus sinais como próprios do Filho de Deus, mas para a solução dos seus problemas. Eles buscavam as bençãos de Deus e não o Deus das bençãos. Buscavam os milagres do Reino, e não o Reino dos milagres.

 

Em nossos dias, a multidão continua sendo testada. Seus corações e intenções continuam sendo reveladas. Quantos são aqueles que enxergam no Evangelho uma forma de solucionar os seus problemas financeiros e de relacionamento? As dificuldades dessa vida ou o seu endividamento? A multidão continua sendo testada e a resposta que ela dá revela sempre onde tem alimentado a sua fé. 
 

2) O teste dos discípulos (5-9) 

Mas, chegou o momento de outro grupo ser testado. Agora, é a vez dos discípulos mais chegados de Cristo. Aqueles homens escolhidos pelo Mestre e que acompanharam sempre de perto tudo o que Jesus podia fazer e que presenciaram todos os milagres. Não havia motivos para duvidar. Não havia motivos para não acreditar que o Filho de Deus poderia agir novamente. No entanto, Marcos, no capítulo 6 nos dá uma dura constatação. Ele diz que os discípulos não compreenderam o milagre; antes, seus corações estavam endurecidos. 
Conforme a tarde foi chegando, Jesus vendo aquela multidão pergunta a Filipe: "Onde compraremos pães para lhes dar a comer? Mas dizia isto para o experimentar; porque ele bem sabia o que estava para fazer" (Jo 6.5,6). 


A adversidade e o deserto da vida são, muitas vezes, a escola para nosso crescimento na fé. Jesus nos conduz nesse aprendizado pela adversidade, de forma didática, como o Mestre por excelência, a fim de despertar as mentes adormecidas dos seus discípulos e desvendar os seus olhos para que não duvidem do seu poder, mas que creiam que Ele é o Filho de Deus, o Deus da providência, ainda que no deserto. Por isso, Cristo aparece fazendo perguntas para as pessoas, mesmo já sabendo o que aconteceria. Recordamos, por exemplo, da festa de casamento, quando Ele pergunta para Maria, sua mãe: "Mulher, que tenho eu contigo?". Para Nicodemos, Jesus pergunta: "Você é mestre em Israel e não sabes dessas coisas que estou dizendo?". Para o paralítico do tanque de Betesda: "Você quer ser curado?". Agora, para seus discípulos Jesus está lançando esse teste: "Onde compraremos pães para lhes dar a comer?". Com isso, Jesus nos convida a olharmos para Ele, de forma sobrenatural, crendo que aquilo que é impossível aos nossos olhos, é possível para Ele por que Ele é Deus. 


Mas, qual foi a resposta dos discípulos (v.7-9)? Imagino algo do tipo: "Bom, Senhor, pelos meus cálculos vai ser preciso muito dinheiro pra comprar pão pra toda essa gente. Duzentos denários de pão ainda será pouco". Marcos ainda diz que os discípulos recomendaram a Jesus para que despedisse a multidão para que fossem e comprassem o próprio sustento. Era o mais prático a fazer e o mais cômodo a fazer. André, talvez tentando aliviar a posição dos discípulos, ainda reforça (v.9): "Nós até encontramos aqui um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos; mas isto que é para tanta gente?". Ou seja, "Senhor, nós até tentamos e fizemos uma busca entre as pessoas, mas só encontramos aqui esse rapaz. Então, o Senhor mesmo pode constatar que não tem mesmo jeito". 


E, nesse momento, chega a hora de Jesus tratar também com seus discípulos. Jesus sabe que a incredulidade e a dureza do coração deles faz parte da estrutura humana afetada pelo pecado. Então, Ele não trata de forma arbitrária seus discípulos. O Pastor vai ensinar mais uma vez a confiarem e a olharem para Ele, a descansarem na Sua provisão em meio ao deserto. O escritor aos Hebreus escreve "que devemos nos desembaraçar de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, e correr com perseverança, a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para Jesus, o Autor e Consumador da fé". E, quando nossos olhos se voltam para Ele, podemos contemplar o milagre acontecendo em nossos dias e a providência divina. 
 

3) A providência divina (v.10-11) 

João diz que Jesus fez então com que se assentasse aquela multidão de cerca de 5 mil homens, fora mulheres e crianças e manda trazerem o garoto diante dEle com os cinco pães de cevada e os dois peixinhos. É através desse recurso limitado que Jesus vai mais uma vez manifestar diante deles o seu grande poder e a sua glória. Jesus tomou aqueles pães e peixes e, tendo dado graças, distribuiu entre eles até que todos se fartaram. 


Podemos aprender três lições práticas: 


1ª) O que você tem nas suas mãos? - Muitas vezes, Deus nos coloca nas mãos recursos pelos quais Ele deseja agir para abençoar as pessoas. É triste perceber que muitos acabam em alguns casos desprezando esses recursos, dons e habilidades, achando que são pequenos demais, pouco demais ou que não tem o proveito necessário. Esses se esquecem de olhar para Aquele que é capaz de fazer do nada todas as coisas. Lembremo-nos de que Moisés compareceu diante do Faraó com um cajado. O jovem Davi enfrentou o gigante filisteu com uma funda. Esse rapaz colocou diante do Senhor o pouco que tinha, e todos eles viram o milagre acontecer.

 

2ª) Diante da incredulidade, desconfiança ou dúvida, você tem o recurso da oração - Jesus orou ao Pai, e é interessante observar essa atitude de Cristo. O texto diz que Ele já sabia o que iria fazer, então, porque Jesus orou? Jesus deu graças ao Pai para nos ensinar que a resposta para as nossas dificuldades não está em nós mesmos, nem nos recursos que temos recebido por sua graça, às vezes, nem mesmo naquilo que já está bem diante dos nossos olhos, mas no próprio Deus. 


Muitos estão na condição dos discípulos de Cristo. São crentes, ninguém duvida disso. Mantém um compromisso com a igreja e com o Evangelho da graça. Até creem que Deus pode agir, mas, em certas ocasiões, a situação parece tão complicada e impossível que pensamos: "tudo bem Jesus se não conseguir resolver; a gente entende; a multidão é realmente muito grande". Quando a vida está indo por esse caminho e percebemos que algo em nossa confiança em Deus saiu dos trilhos, que os problemas parecem muito maiores e a dificuldade parece consumir a alma, Jesus nos ensina a buscar a Deus em oração. Veja bem isso, Ele já sabe o desfecho da situação, mas nos convida ir ao Pai em oração. É claro que Deus pode intervir por meio da oração dos crentes e, em muitas situações, esse é o meio pelo qual Deus age nos nossos dias. Mas, a principal mudança realizada pela oração ocorre no coração daquele que ora. 
 
3ª) Sinais sempre apontam para coisas maiores - Os milagres que Jesus realiza nunca têm um fim em si mesmos. Ele não é do tipo que faz show de milagres e de libertação. Sempre quando Cristo está operando Ele está transmitindo algo maior a respeito da sua pessoa, da sua glória e da sua divindade. Era esse o ponto que a multidão não percebia. O versículo 15 diz que, quando a multidão está saciada, ela propõe então proclamar Jesus como rei da nação. De fato, isso era bastante conveniente. Imagine um rei como esse? Não existiriam mais os problemas sociais. Mas Jesus se retira do meio deles. 


Pouco tempo depois, Jesus se encontra novamente com aquela multidão e eles querem mais milagres. Esse é o problema da multidão: ela é insaciável por milagres e precisa alimentar a sua fé nos sinais. Porém, nesse novo encontro, Jesus vai pronunciar o seu mais duro discurso. Aquele que fez com que muitos deixassem de segui-lo. Jesus vai repreendê-los dizendo que há algo muito maior e mais necessário do que o pão com o qual eles se fartaram. Há algo maior além dos sinais que eles não estavam vendo, pois aquele que vive atrás de sinais sempre terá fome dessas coisas. Por outro lado, aquele que saciar a sua necessidade especialmente nEle, nunca mais terá fome. "Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo. Então, lhe disseram: Senhor, dá-nos sempre desse pão. Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede" (João 6:33-35).  
 
C.S.Lewis disse: "Eu descobri em mim mesmo desejos os quais nada nesta Terra pode satisfazer; a única explicação lógica é que eu fui feito para um outro mundo". Se sua vida está também nessa condição e você tem um anseio por algo maior e que faça sentido, Cristo te convida a vir e alimentar-se espiritualmente dEle. Ele mesmo diz: "Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente" (João 6:51). 

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