Desvendando o Adão histórico

Numa caverna baixa e úmida, quarenta metros abaixo da superfície da terra, estão agachados dois homens. Seus archotes iluminam um túnel com água até meia altura. Reina um silêncio de morte, alterado apenas, de quando em quando, pelo ruidozinho de uma gota de água que cai do teto do lago negro. Após alguns minutos de hesitação, os homens tiram a roupa, guardam os artoches e os fósforos numa bolsa de borracha e lançam-se à agua, nadando através do túnel para o desconhecido. O teto torna-se cada vez mais baixo e eles são obrigados a mergulhar. Já sentem falta de ar. Por fim esbarram com um bloco de rocha na escuridão. Alçam-se para cima dele como focas e percebem que o túnel termina aí. 
Abrem a bolsa de borracha e acendem a luz: encontram-se numa sala espaçosa e alta de cujo teto pendem estalactites brilhantes. 
Começam imediatamente a cavar com suas enxadas no limo viscoso da caverna. Um dos homens solta uma exclamação abafada. Apanha uma pedra talhada e examina-a à luz do archote. A luz alumia a parede rachada e áspera da sala. E, de repente, ao lado de marcas de garras de ursos das cavernas, aparecem impressões de mãos humanas, linhas e desenhos, figuras de barro quebradas, representações de animais em cores. Nessa sala aberta no coração da montanha, que os dois exploradores possuídos da febre das cavernas descobriram, por acaso, habitavam noutro tempo homens primitivos. [1] 

É com essa história que Herbert Wendt abre sua obra "À procura de Adão", que registra o achado dos exploradores Norbert Casteret e Henri Godin, em 1923. Explorações como a dos dois, no entanto, não são as únicas. Durante décadas, arqueólogos, geólogos, filósofos, historiadores e cientistas das mais diversas áreas tem buscado encontrar a resposta para um dilema antigo: o da criação do universo e da formação do homem. 
A historicidade dos nossos primeiros pais, isto é, Adão e Eva, é também um ponto bastante questionado por aqueles que não acreditam na Bíblia Sagrada como revelação divina infalível e inerrante. Até mesmo dentro de correntes do cristinanismo, a autenticidade do fato da criação do homem e da mulher, como se dá nas Escrituras, é tida como ficção, mito, conto ou parábola. Essa compreensão tem levado muitos a considerarem o relato do jardim do Éden como uma estória, contendo apenas lições importantes tanto para o povo daquela época, quanto também para a nossa realidade hoje. 
O grande problema da interpretação mitológica da criação dos seres humanos em Gênesis é o de colocar em cheque toda a revelação da Escritura Sagrada, minimizando o status da Queda e os efeitos do pecado, desfigurando as promessas e a soberania dos propósitos de Yahweh, e até mesmo levantando dúvidas quanto a existência de Cristo, o Filho de Deus. Em outras palavras, uma exegese bíblica mal elaborada desses capítulos implicará na forma como toda a Bíblia Sagrada será compreendida e, consequentemente, nos frutos que essa interpretação produzirá. 
Mas, por que nega-se a existência de um Adão real? Quando estudamos os pais da igreja, os reformadores protestantes e suas confissões e os grandes teólogos puritanos dos séculos dezesseis ao início do século dezenove, observamos uma perfeita concordância quanto a existência de um Adão real. A interpretação do Adão mitológico surge em um movimento modernista racionalista crítico secular, tendo como ponto de partida não a inspiração das escrituras, mas a razão e a intelectualidade humana, fundamentada, muitas vezes, numa concepção evolucionista do mundo. Diferentemente do modelo de interpretação ensinado nas Escrituras Sagradas e sustentada pelos pais da igreja, este segundo grupo neo-ortodoxo, formado por modernistas e liberais, parte de seus próprios pressupostos e de técnicas científicas para a interpretação bíblica, levantando diversos questionamentos sobre sua autenticidade e colocando-a como qualquer outro documento humano passível de falhas. 
O objetivo deste material, no entanto, não é oferecer um vasto material para um estudo aprofundado do caso, mas despertar nos crentes de hoje a importância dessa compreensão, e apresentar alguns pontos básicos para uma defesa mais consistente de um Adão real. 
O QUE DIZEM AQUELES QUE NÃO ACREDITAM NO ADÃO HISTÓRICO:
A SERPENTE QUE FALA
Aqueles que negam a historicidade de Adão, dizem ser um absurdo conceber a ideia de uma serpente falante. Não somente por ela poder pronunciar palavras, mas também porque Adão e Eva não estranharam este acontecimento e até estabeleceram ali um certo diálogo com ela. Entretanto, quando analisamos o contexto nas Escrituras, observamos que acontecimentos desse tipo não foram exclusivos ao livro de Gênesis. Yahweh falou por meio de uma jumenta (Num 22:28); Demônios falaram através de pessoas possessas (Mt 8:9; Mc 5:12; Lc 4:41); Satanás entrou em Judas no momento antes de sua traição (Jo 12:27). 
MITOS DO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO 
Aqueles que negam a historicidade de Adão, apontam o fato da existência de mitos nas regiões vizinhas a Israel que também relatam fatos como a origem do universo e o dilúvio. Sim, é verdade que existiam mitos no antigo Oriente Próximo, e estes faziam parte da vida social daquelas regiões e se propunham responder a cosmogonia daqueles povos. Todavia, isso não diminui a veracidade do relato de Gênesis, diferente disso, reforça o caráter especial que ele possui.
Durante todos os tempos, os povos buscaram respostas para explicar a origem do universo, da mesma forma isso acontecia com aqueles povos, onde cada cultura desenvolvia sua própria mitologia da criação. Porém, as diferenças encontradas no relato apresentado em Gênesis precisam também ser destacados. Nos mitos babilônicos e cananeus, o universo surge do caos, geralmente de alguma matéria preexistente e narra uma série de conflitos entre diversas forças divinas, sugerindo ainda uma continuidade sem um propósito claramente definido para o mundo, como se os seres criados permanecessem presos em uma tensão entre o material e uma legião de deuses e demônios. Esses mitos ainda são carregados de aspectos cultuais místicos que regavam a cultura daquelas civilizações. Diferentemente, a narrativa de Gênesis é marcada pelo monoteísmo, ela apresenta um único Deus, auto-existente e auto-suficiente, que criou do nada (ex nihilo) todas as coisas, com o propósito de revelar a sua graça aos homens criados, como explica Paul R. House no comentário abaixo:

Israel aparece sozinho quando afirma ter um único Deus criador de tudo o que existe. O monoteísmo na criação significa que Deus não conhece limites na natureza nem está restrito a determinado ponto geográfico. Deus não possui rivais. Ele tem jurisdição sobre todas as pessoas e coisas criadas.[2] 

No trecho a seguir de Willian S. Lasor nos dá também uma ideia sobre as semelhanças e diferenças entre o relato bíblico e os mesopotâmicos: 

Em contraste com o monoteísmo exaltado de Gênesis 1-11, os relatos mesopotâmicos apresentam deuses que são personificações de forças naturais. Eles não possuem princípios morais: mentem, roubam, praticam fornicação e matam. E mais: os homens não gozam de dignidade especial nesses relatos. São humildes servos dos deuses, feitos para lhes prover alimento e oferendas. 
A narrativa bíblica apresenta o Deus verdadeiro, santo e onipotente. O Criador existe antes da criação e é independente do mundo. Deus fala e os elementos passam a existir. A obra divina é boa, justa e completa. Depois que a família humana se rebela, Deus tempera seu julgamento com misericórdia. Mesmo quando um relato possui elementos em comum com formas de pensamento de culturas circunvizinhas, a natureza distintiva do Criador brilha através da narrativa. 
Como, portanto, compreender o gênero literário de Gênesis 1-11? Pode-se supor que o autor, inspirado pela revelação de Deus, tenha empregado as tradições literárias da época para ensinar o verdadeiro conteúdo teológico da história primeva da humanidade. O propósito do livro não era fornecer uma descrição biológica e geológica das origens. Antes, seu propósito era explicar a natureza e a dignidade singular dos seres humanos, em virtude de sua origem divina. Eles são feitos pelo Criador à imagem divina, ainda que prejudicada pelo pecado que tão cedo desfigurou a boa obra de Deus.[3] 

Dito isto, um ponto que deve ser considerado é que os próprios mitos remetem antes dos registros escritos. A oralidade era a maneira como eram transmitidos os conhecimentos, ou seja, era a forma habitual de se comunicar, só mais tarde esses relatos foram registrados em tabletes. Por isso, não se pode medir a idade de um relato pelo tempo de sua escrita. Sendo assim, e levando em conta a transição cultural entre aqueles povos, facilitado pela linguagem comum entre eles, não é considerável que os mitos mesopotâmicos tenham sido baseados no relato oral da criação bíblica, adaptado aos seus costumes, ao invés do oposto?  
TEORIAS DA EVOLUÇÃO 
Aqueles que negam a historicidade de Adão argumentam que o relato de Gênesis contradiz teorias científicas do surgimento cataclísmico do universo e da seleção natural das espécies. No entanto, vamos considerar que, primeiramente a Bíblia não é um livro científico e nem tem o propósito de ser. Dessa forma, ela não se preocupa em elucidar fenômenos que fazem parte da cosmogonia humana. Por último, a proposta bíblica para a criação do universo e do ser humano nunca pôde ser refutada científicamente, ao impasse que, as teses científicas do ramo evolutivo para o aparecimento do cosmos e da evolução das espécies, nunca puderam ser recriadas e comprovadas num laboratório. Como diz Brian Schwertley:
  
A evolução é uma impossibilidade bioquímica. Não apenas a ideia da geração espontânea foi refutada há mais de cem anos, mas à medida que os cientistas descobrem mais sobre organismos unicelulares, fica evidente que a primeira etapa da evolução é tão provável de ocorrer como a criação de um submarino nuclear num ferro-velho durante um tornado.[4] 

Há pouco tempo, cerca de 700 cientistas assinaram um manifesto entitulado "A Scientific Dissent from Darwinism", onde declaram estar convencidos, após novas evidências científicas, de que a evolução darwiniana é deficiente [o link para o manifesto está no final deste artigo]. 
Outros argumentos poderiam ser listados aqui, mas como já mencionado, o objetivo deste material não é ser um estudo exaustivo sobre o assunto, e sim uma breve comprovação da importância em reconhecer Adão historicamente.  
ALGUMAS EVIDÊNCIAS A FAVOR DO ADÃO HISTÓRICO:
ADÃO ERA UM CIDADÃO REAL 
(Gn 2:8; 2:15-19; 3:23; 5:1-5; Lc 3:38) 
O relato de Gênesis da criação menciona uma localização real, não fictícia (embora estes capítulos sejam carregados de recursos literários, aonde os nomes são empregados representativamente). Ele apresenta também homem e mulher com características e habilidades comuns aos seres humanos, apesar de apresentar aspectos de um relacionamento ainda em desenvolvimento com Yahweh, com a natureza em volta e entre ambos, no convívio familiar e social.
Após a Queda, Adão e Eva passam a experimentar também as dores, as tristezas, as alegrias e esperanças como todos os outros seres humanos. A continuidade histórica de Adão apresenta ainda sua idade, sua genealogia, que sequencia e introduz os propósitos da revelação de Yahweh nas Escrituras, e a idade da sua morte. 
A vida comum dos primeiros pais sugere que não existem elementos sobrenaturais suficientes que os coloquem como foco em uma criação mitológica. Ao contrário disso, o foco do relato de Gênesis não está nos personagens envolvidos no percurso, mas no Deus que cria, estabelece a aliança e sustenta a promessa redentiva do seu povo. 
ADÃO FOI USADO EM COMPARAÇÕES REAIS 
(1 Cor 15.21-22; Rom 5.12-21) 
Nos textos mencionados acima, Paulo apresenta o plano redentivo de Yahweh estabelecido na eternidade. Nestas passagens, Adão e Cristo, são colocados lado a lado em comparação. Paulo utiliza este artifício para mostrar que Cristo foi capaz de cumprir todas as exigências, diferentemente do primeiro homem criado: Adão. 
Em uma análise como essa, só é possível estabelecer uma comparação coerente quando existem dos dois lados figuras de pesos reais semelhantes ou opostos. Em outras palavras, não teria como Paulo garantir a eficácia da obra de Cristo, se este fosse comparado a um ser que nunca existiu realmente. É necessário que o primeiro Adão tenha verdadeiramente existido e fracassado no cumprimento da aliança, para que o segundo Adão (Cristo) possa então ser apresentado como um redentor perfeito. Ou seja, o primeiro Adão é tão real quanto Cristo o é. 
ADÃO FOI USADO COMO UM EXEMPLO REAL 
(Jó 31:33; Os 6:7; Mt 19:4-8; 1Cor 11:8-9; 1Tm 2:13; Jd 1:14) 
Adão e Eva são mencionados no Antigo e Novo Testamento. Tais referências evidenciam a historicidade de ambos, e seriam suficientes para essa concepção. No entanto, alguns poderiam questionar: Não estariam eles sendo utilizados como uma fábula apenas para a aplicação de algum valor real? Evidentemente que não! Primeiramente, porque vimos que o foco do relato da criação não está no homem criado, mas no Deus único criador e na introdução da revelação dos seus propósitos que percorreriam toda a era bíblica. Nesse sentido, a aplicação de qualquer valor, com base apenas em alguma parte isolada do suposto mito da criação estaria infundado, e a sua aplicação mereceria ser questionada se realmente seria este o verdadeiro sentido do mito. Em segundo lugar, havia entre os crentes do Novo Testamento o cuidado para com as fábulas criadas e a orientação dos apóstolos para que as igrejas não dessem ouvidos a elas (1Tm 4:7; 2Tm 4:4; Tt 1:14; 2 Pe 1:16). Em terceiro lugar, nos textos citados anteriormente, Adão não é utilizado como uma parábola de onde se extraem valores morais para uma vida prática, mas como exemplo que aponta para o princípio, quando fora revelada a vontade de Deus antes da Queda, num homem ainda não contaminado pelo pecado. 
ADÃO RECEBEU UMA PROMESSA REAL 
(Gn 3:15; 4:25; Ap 20:2; 22:2,14)
O relato da criação apresenta aos crentes a primeira evidência de uma promessa escatológica redentiva - o protoevangelho. Após pecarem, Adão e Eva receberam a punição divina, mas também puderam experimentar a misericórdia e a graça de Yahweh sendo reveladas naquele momento. O Deus que puniu o pecado dos dois com a morte é o mesmo que os procura entre o jardim para estabelecer novamente um contato com eles. Yahweh apresenta aos dois o preço do sangue que marcaria o pecado a partir de então, ao utilizar pele de animal para confeccionar novas vestes para os dois, sugerindo que foi necessário o sacrificio de algum animal para cobri-los da vergonha do pecado, ainda que temporariamente. A sentença dada a serpente também revelou a esperança do propósito divino da redenção: "[...] este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar". 
Alguns aspectos da vida de Adão e Eva após serem expulsos do jardim, dão a ideia de que, apesar de um estado caído, os dois ainda experimentavam da bondade divina ([...] disse ela [Eva], Deus me deu outro descendente em lugar de Abel [...]),  sendo preservados para dar continuidade a genealogia de Cristo. 
Faltaria espaço para apresentar outros exemplos que reforçam a importância em acreditar num Adão histórico para uma melhor compreensão do restante das Escrituras. Duvidar das evidências apresentadas, entretanto, é colocar em cheque toda a promessa da redenção divina. É questionar a inspiração sagrada, é não aceitar os aspectos que expressam a soberania e os propósitos de Deus na história. Não aceitar a historicidade destes fatos é dar o trono à limitada razão humana e apoiá-la numa ciência criada por ela mesma e que reflete  a intenção do seu coração. Ao invés disso, deveríamos nos aplicar ao estudo da história, ciência, geologia e arqueologia, tendo como ponto de partida a revelação inerrante e infalível das Escrituras Sagradas. É a partir daí que o mundo onde estamos inseridos passa ter um sentido real. É somente nela que o homem passa a se conhecer e o mundo a sua volta. 

[1] À Procura de Adão - Herbert Wendt - Edições Melhoramentos 
[2] Teologia do Antigo testamento - Paul R. House - Vida Acadêmica 
[3] Introdução ao Antigo Testamento - Willian S. Lasor - Vida Nova 
[4] A historicidade de Adão - Brian Schwertleyhttp://monergismo.com 
Como ler Gênesis - Tremper Longman - Vida Nova 
Gênesis 1.1-2.3: Um Texto Mítico? Um Estudo Comparativo de Gênero Literário - Airton W. V. Barboza - Fides Reformata N1 2004 
Adão e Eva no Éden - Gerard Van Groningen: http://monergismo.com 
Manifesto "A Scientific Dissent from Darwnisma": http://www.discovery.org/scripts/viewDB/filesDB-download.php?command=download&id=660 

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